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Inevitável Impulso



Muito se poderá escrever sobre a fundação do Clube de Futebol "Os Belenenses"... como já se escreveu, incluindo modestos contributos deste vosso servo. No entanto e depois de muito ler e reflectir sobre o(s) acto(s) criador(es) do nosso Clube considero que existe uma passagem que sintetiza numa perfeição absoluta o verdadeiro espírito e as reais circunstâncias que abraçaram os seus primeiros dias de vida:

"Digamos que o Belenenses, parecendo uma inevitabilidade, nasceu de um impulso. Mas, mais do que ter vindo ao mundo numa maternidade ao ar livre, surpreendeu pela robustez e, sobretudo, pela determinação dos seus fundadores que enfrentaram o dédalo formado por más vontades, intrigas e ausência total de desportivismo de várias forças. Chegou ao desporto português à revelia dos interesses bizantinos de muitas e boas almas."

Isto escreveu quem à sua maneira e a seu tempo tem já o seu lugar merecida e perenemente incrustado na "memória azul": Homero Serpa.

Escrever neste dia de hoje (véspera) sobre a fundação não se destina obviamente a felicitar desde já o Clube e os Belenenses. A "sabedoria popular", que também no Belenenses sempre teve curioso papel, diz-nos que tal "dá azar". Não, não é essa a minha intenção. Antes sim pretendo relembrar uma vez mais e precisamente as "vésperas" da fundação. Algo que se depreende das palavras de Homero Serpa e que, como a maioria de nós sabe, não se esgota no célebre e veranesco encontro no banco de jardim da Praça Afonso de Albuquerque.

No passado dia 6 de Setembro e em memória da morte do grande fundador, Artur José Pereira, publiquei aqui um artigo onde já muito se revelava sobre a génese do Belenenses. É inegável a afirmação de que a vida de Artur José Pereira e o nascimento do nosso Clube praticamente se confundem. Foi dele o sonho, foi dele o impulso de que fala Homero Serpa, o impulso que tornou uma aparente inevitabilidade – a existência de um grande clube em Belém, terra dos melhores jogadores – numa realidade insofismável. E, como alegremente poderemos constatar (de novo) amanhã, projecção de uma vontade inamovível, destinada a perdurar pelos séculos.

Não deixando de recomendar uma leitura desse mesmo artigo e ainda que sob risco de incorrer em alguma repetição, hoje gostaria de trazer à luz alguns dos outros pormenores sobre a fundação, desta vez recordando também e justamente com especial atenção os companheiros de caminhada de Artur José Pereira.

Como já o afirmámos e é conclusão avalizada por bastas e qualificadas opiniões, Belém foi um dos primeiros "berços" do futebol em Portugal, mas aquele que foi verdadeiramente o primeiro com a condição de "popular". No areal de Belém, na Casa Pia, nos terrenos circundantes, nasceram os primeiros grandes génios do futebol nacional. Tantos deles humildes - dignos de compaixão até - mas de corações e talento imensos.

Até que certo dia nasceu o Sport Lisboa (em 1904), primeira manifestação do inevitável... mas desde logo alvo de severos e perturbados olhares. Naquele mesmo dia na Farmácia Franco (na então Rua Direita de Belém), estava entre outros o Engº Francisco dos Reis Gonçalves, proeminente e saudosa figura que adiante encontraremos de novo nesta súmula e em lugar de destaque na História do Belenenses.

Os belenenses acolhiam o novo desporto: treino do
Sport Lisboa nas Salésias (do lado da "Terras do Desembargador") ainda em 1904

Nas equipas do Sport Lisboa viriam a ingressar grandes jogadores de Belém, mesmo quando este clube se viu forçado a abandonar a "terra-mãe" para ter de jogar noutros locais. A título de exemplo e logo no primeiro Campeonato de Lisboa de sempre (disputado em 1906/07) chegou à primeira equipa Henrique Costa, que como veremos viria a ter um papel fundamental na fundação do Belenenses.
Com tudo isso não chegaram a prosperar outros clubes da zona, como o Ajudense ou o União Sport Belenense - os mais destacados - mas também outros clubes, mais pequenos, como o Belém Football Clube (antigo grupo dos "Catataus"), Vasco da Gama F.C. ou o Restelo F. C. Este último clube foi fundado por um jovem estudante de medicina que haveria de ser chamado por Cosme Damião para integrar a equipa principal do Sport Lisboa: Virgílio Lopes de Paula. Também ele elemento preponderante no futuro Belenenses.

No momento em que Artur José Pereira chegou ao Sport Lisboa (que pouco depois passaria a ser Sport Lisboa e Benfica) já este clube tentava ultrapassar a sua primeira grande "crise", com a debandada de muitos jogadores oriundos de Belém para outras paragens, com destaque para o Sporting. Henrique Costa, um dos mais emblemáticos jogadores de Belém (sendo já reconhecido pelas suas notáveis e elevadas qualidades humanas) acabou por ser um caso especial. Foi também ele nessa altura tentado pelo Sporting e chegou a ter tudo acertado. No entanto o que de Belém restava no Sport Lisboa e os seus inabaláveis sentidos de correcção e companheirismo levaram-no a regressar, chegando a devolver um valioso presente dos "leões" que lhe havia sido dado (um relógio em ouro).
Desta forma e apesar de algumas outras figuras terem depois saído discretamente de "cena" (como Virgílio Paula, com quem Artur José Pereira ainda chegou a jogar), foi possível continuar a encontrar na mesma equipa do Sport Lisboa e Benfica nomes como os de Henrique Costa, Luis Vieira (outro grande Belenense, futuro Presidente) e Artur José Pereira.
Poucos anos depois emergiram no SLB outros grandes nomes da futura "família" Belenenses. Como os casos de Francisco Pereira (que assim se juntou ao irmão Artur), Carlos Sobral e Alberto Rio.

Inconformados belenenses na equipa do SLB, pouco antes da "fuga" de Artur José Pereira
para o Sporting (da esquerda para a direita e de pé): Henrique Costa (3º), Alberto Rio (6º, ainda bem
jovem), Francisco Pereira (8º, igualmente jovem), Artur José Pereira (9º) e Francisco Belas (10º)

Sobre Carlos Sobral cumpre assinalar algo de muito especial: se com propriedade se pode dizer que o Belenenses veio a ser o genuíno "herdeiro" de uma tradição de futebol de Belém (e do Sport Lisboa), é também correcto atribuir a Carlos Sobral a introdução das modalidades aquáticas de competição em Belém, também elas "herdadas" pelo Belenenses por intermédio da sua própria pessoa. Foi ele que fundou as secções de natação e pólo-aquático do Sport Lisboa e Benfica, cuja prática iniciou-se, como não poderia deixar de ser… em Belém (na doca do Bom Sucesso).
Sobre Alberto Rio bastaria recordar que era o melhor jogador português de então... a seguir a Artur José Pereira, um dos melhores de todos os tempos.

Quando Artur José Pereira, desagradado por certo incidente com um dirigente do SLB (ver o artigo de 6 de Setembro), decidiu passar a jogar pelo Sporting, o "contingente" de Belém provocou novo e ainda mais sério "abalo" num clube que progressivamente era cada mais "Benfica" e só de Benfica. No entanto o ataque ainda era originado, uma vez mais, pela cobiça dos rivais do Sporting. O irmão de Artur, Francisco Pereira, deixou de aparecer durante algum tempo, suspeitando-se que seguiria os passos do irmão. Regressou ao SLB, porém...
Apesar de parcialmente contido (apenas se consumaria a saída de Artur José Pereira), este segundo "abalo" demonstrou a crescente intensidade das reivindicações e anseios dos jogadores de Belém no SLB. O seu jogador de referência (e melhor de todos), a maior referência de Belém, havia dissipado as dúvidas sobre a legitimidade da "herança" do Sport Lisboa.

Finalmente em 1918 deu-se um episódio fulcral, o terceiro "abalo" (lá dizem que à terceira é de vez) que iria propiciar o grande "impulso" Belenense. O melhor jogador de então no SLB, Alberto Rio, decidiu também deixar o clube. Em Fevereiro desse ano e depois de uma primeira "ameaça" alguns meses antes, deixou de aparecer sem dar satisfações aos dirigentes "encarnados". Em Junho o SLB deliberou a sua suspensão por 6 meses. Até que nesse mesmo mês Alberto Rio apareceu... junto a Artur José Pereira no alinhamento inicial do Sporting! (note-se uma vez mais a influência dos "leões" no aliciamento de jogadores de Belém).
Acontece porém que - e apesar de outros casos precedentes (como o do próprio Artur José Pereira) – parecia vigorar uma espécie de código que deveria impedir o aliciamento e recrutamento de jogadores entre os grandes clubes sem que houvesse consulta ou até mesmo acordo prévio entre emblemas. Assim sendo e em primeiro lugar parece que Alberto Rio terá sido recebido com desagrado até por alguns sectores do Sporting. E no jogo acima referido, que deveria ser o de estreia pelos "leões", os benfiquistas conseguiram impedir a sua utilização, argumentando que se havia tratado de uma suspensão e não de uma dispensa.
Sucederam-se turbulências e afrontas dentro e entre os dois clubes (talvez das maiores das respectivas histórias). Alberto Rio chegou mesmo a alinhar pelo Sporting (noutro jogo que se seguiu), mas ao que parece e no final de contas acabou por ser rejeitado do seu "novo" clube, ficando então na "mera" condição de jogador suspenso do SLB.
Revoltaram-se então os jogadores de Belém que ainda permaneciam no clube "encarnado", solicitando a imediata readmissão do jogador. Do outro lado, no Sporting, Artur José Pereira assistia a tudo com desalento e tristeza. Sem querer entrar em conflito com as figuras máximas dos "leões", a quem estava grato desde a sua admissão, terá sido esta a ocasião em que sentiu mais forte do que nunca o desejo de finalmente "libertar" todos os grandes jogadores de Belém das tricas e caprichos de Benfica e Sporting... e procurar o regresso ao seu bairro, a um clube que pudessem considerar verdadeiramente seu. Um clube que honraria gerações de grandes jogadores que após anos de "exílio" poderiam regressar à "terra prometida".

O episódio sucedido com Alberto Rio foi um dos que algo vagamente se referem na História do Belenenses como os incidentes de "jogadores castigados" pelo SLB que conduziram à fundação do Belenenses. Outro desses episódios, também bem conhecido, sucedeu-se com Carlos Sobral. Desentendimentos vários com os dirigentes "encarnados" - não directamente associados ao "caso" Alberto Rio mas não totalmente alheios ao movimento de "fundo" de Belém - levaram a que também este fosse castigado pelo Benfica em 1919.

Poderemos hoje pensar sobre qual teria sido o destino dos jogadores e do futebol de Belém caso Artur José Pereira não tivesse levado a sua avante. Com efeito já haviam passado quase duas décadas e o que parecia "inevitável" ainda não tinha acontecido. Ou será que o tempo, por muito ou pouco que tenha sido, acabaria sempre por permitir... o que tinha de ser? E teve de ser!

Afonso de Albuquerque: o "Padrinho" do Belenenses

Já todos ou quase todos conhecemos o que nos contou Acácio Rosa sobre a fundação, sem dúvida e fielmente baseado nos depoimentos dos pioneiros (já que o próprio foi admitido como sócio anos mais tarde). Mas hoje e para "variar" um pouco escolhi um excerto de uma entrevista a um dos principais intervenientes na fundação, aquele que era o decano dos jogadores que acabaram por se juntar sob a Cruz de Cristo: Henrique Costa. A entrevista, originalmente publicada no Jornal "Record" de 30 de Setembro de 1950 (no seguimento do 31º aniversário do Clube), foi depois reproduzida no Jornal do Belenenses a 3 de Setembro de 1954 (desta feita já Henrique Costa havia falecido - aproximadamente um ano antes):

"(...) O Artur era o defensor acérrimo da fundação de um grande grupo em Belém. Dois anos antes do aparecimento dos 'Belenenses' havia acabado o 'União Sport Belenense', pequeno agrupamento onde jogavam [jogaram], além do Artur, Francisco Belas, Amadeu Cruz e outros que não me recordo. Porém, o Artur não desistia e, uma noite em fins de Agosto de 1919, num banco do jardim Afonso de Albuquerque aproveitou a presença de um numeroso grupo de amigos para debater a sua idéia de sempre. Estavam presentes Joaquim Dias, Júlio Teixeira Gomes e os futebolistas Francisco Pereira, Manuel Veloso, Romualdo Bogalho, Artur José Pereira e eu. O seu pretexto que, aliás, veio a vingar era o de responder à atitude do Benfica que castigava Alberto Rio, formando um grupo que reunisse todos os jogadores do bairro espalhados pelos principais clubes da cidade. Eu fui o único que se opôs à fundação do grupo, mas por unanimidade fui designado para me avistar com a Direcção do Benfica, fazendo-lhe sentir a mágoa provocada pela saída do Alberto Rio que no caso de não ser readmitido levaria os rapazes de Belém a constituírem um grupo de futebol. A Direcção do Benfica não fez caso e eu, a partir desse momento, emparceirei com os restantes."


O "decano" dos jogadores de Belém e indispensável fundador: Henrique Costa,
aqui trajado a preceito, figura de admirável porte como primeiro treinador
da equipa (1ª visita do Belenenses à Aveiro-natal de Mário Duarte, 1921)

Neste relato e dos elementos que teriam estado presentes naquela "noite de verão", Henrique Costa apenas se parece ter esquecido de Carlos Sobral, quem por sinal viria a assumir o cargo de "capitão-geral" do Clube, que Henrique Costa declinaria. De notar por outro lado que Alberto Rio, que afinal dera azo a toda aquela situação, não terá estado presente. Quiçá para não gerar alguma polémica desnecessária ou até contra-producente.
Como já em 1914 (saída de Artur José Pereira), o benfiquista Cosme Damião ainda tentou conter a revolta com o estabelecimento de uma sucursal em Belém. Debalde.
E Henrique Costa, que talvez por carácter e prudência havia sido dos mais renitentes, veio mais tarde a ser considerado por alguns dos companheiros de fundação como a "metade" que faltava para que o Belenenses fosse realidade. A outra "metade" era naturalmente Artur José Pereira. Este último mais impulsivo (lá está) e dinâmico, o primeiro mais ponderado e prudente, mas igualmente tenaz e corajoso. Ambos afáveis, de grande coração, seriam exemplos máximos e únicos para as gerações seguintes (se neste espaço já escrevi muito sobre Artur José Pereira, noutra ocasião será Henrique Costa a merecer especial atenção). Se o sonho de Artur cativou desde logo os amigos de Belém, terá sido a posterior e convicta persuasão de Henrique Costa (por admirável modéstia nunca a refere) a "arrastar" definitivamente os restantes, a conduzir os últimos mas determinantes passos do sonho para a realidade.

Como também sabemos o Dr. Virgílio Paula (já médico em exercício - e seria o médico do Clube durante largas décadas) e o Engº Reis Gonçalves foram entretanto consultados, eles que eram já unanimemente considerados como sendo verdadeiras autoridades do futebol nacional (ambos viriam a integrar altos cargos, como os de Seleccionadores Nacionais, Presidentes da Associação de Futebol de Lisboa ou responsáveis pela arbitragem de primeiro nível).

Virgílio Paula (em cima), enquanto jogador do SLB em 1910 (à esquerda)
e mais tarde, já emérito Belenense (à direita)
Reis Gonçalves (em baixo) recebe do Presidente da República
a Cruz de Ouro em Janeiro de 1944

Com o seu beneplácito e a 23 de Setembro de 1919 - que amanhã celebramos - nasceu finalmente o nosso Belenenses.

Na primeira Assembleia Geral do Clube, celebrada a 2 de Outubro e presidida pelo Dr. Virgílio Paula, ficou Henrique Costa como sócio nº1 por proposta de Artur José Pereira, que rejeitou tal honra em favor do velho e bom amigo. Carlos Sobral, como já referimos, ficou como "capitão-geral".

Teatro Belém Clube: onde se reuniu pela primeira vez o orgão soberano dos Belenenses

Foi eleito o Eng. º Reis Gonçalves para primeiro Presidente da Junta Directiva do Belenenses, enquanto o Dr. Virgílio Paula, Hermenegildo Candeias, Carlos Sobral, Joaquim Dias e Júlio Teixeira Gomes ficaram como vogais.
A escolha dos equipamentos foi algo mais acalorada, mas sempre cordial. Na mesa surgiram as propostas de Henrique Costa (camisola azul, vivos em branco, a Cruz de Cristo como emblema e calções pretos) e de Carlos Sobral (camisola branca, vivos em preto, a Cruz de Malta como emblema e calções pretos). Como sabemos, bem conhecemos e adoramos, vingou a idéia de Henrique Costa.
De registo, nessa primeira Assembleia Geral foram estes os Belenenses presentes: Henrique Costa, Artur José Pereira, Carlos Sobral, Francisco Pereira, Henrique Costa, Júlio Teixeira Gomes, Joaquim Dias (todos estes pertencentes ao "grupo de Agosto"), Virgílio Paula, Mário Domingos da Fonseca, Luis Madeira, António Bernardino Costa, António Martins, Marciano Santos, José Nunes da Silva Sanches, Vitor Ribeiro Bogalho, Vitor Limas, António Lopes dos Santos, Manuel Martins (seria o "barbinhas", amigo de Artur José Pereira?), Artur Ribeiro, Cristovão Ribeiro Salreta, Francisco Nunes, José Pinho, José Armando Candeias, Edmundo M. Campos, Hermenegildo Candeias, José Henrique Salreta, António Franco, Alfredo dos Santos e Joubert Dinis Pereira.

Os primeiros treinos realizaram-se ainda nas "Terras do Desembargador", frente ao antigo convento das Salésias (correspondendo aproximadamente ao antigo campo do Sport Lisboa). Pouco depois os Belenenses passaram a jogar num espaço junto ao jardim Afonso de Albuquerque, "deslocando" progressivamente o seu "recinto" até coincidir com o antigo campo da F.N.A.T., já no meio da Rua Vieira Portuense. Era esse o primeiro campo, o do "Pau do Fio" (por ter um poste telegráfico junto à linha de meio-campo!).

O antigo campo da FNAT, entre o Tejo e a Vieira Portuense,
anos antes da sua "reconversão" em primeiro campo azul

Os jogadores equipavam-se então na casa da família de Artur José Pereira, na Rua do Embaixador. As reuniões da Direcção, essas - e até à instalação da sede na mesma rua - realizaram-se em casa do sócio Joaquim Dias (na Travessa das Linheiras), no seu próprio quarto...

O campo do Pau do Fio. Do lado esquerdo, ainda que parcialmente,
vislumbra-se a nossa bela bandeira na varanda da 1ª sede


"Roteiro" da Fundação:
1 - Casa dos Pereira (R. do Embaixador, 69-1º)
2 - Casa de Joaquim Dias, 1ª "sede", improvisada (Trav. das Linheiras)
3 - Jardim Afonso de Albuquerque - local da fundação
4 - Segundo campo de treinos
5 - "Terras do Desembargador" - Primeiro campo de treinos
6 - Campo do Pau do Fio - Primeiro campo de jogos
7 - Primeira Sede (R. Vieira Portuense, 48-1º)
8 - Teatro Belém Clube, local da 1ª Assembleia Geral (Cç. da Ajuda, 76)

A 30 de Novembro estreou-se a primeira equipa do Clube, alinhando com: Mário Duarte, Romualdo Bogalho, Arnaldo Cruz, Carlos Sobral, Artur José Pereira, Francisco Pereira, Aníbal Santos, Edmundo Campos, Manuel Veloso, Joaquim Rio e Alberto Rio.
O aveirense Mário Duarte, o primeiro guarda-redes do Clube, fora convidado pelo seu amigo Artur José Pereira depois de terem treinado juntos no Sporting alguns anos antes. Os restantes eram todos de Belém. Entre os que naquela altura haviam deixado a primeira equipa do SLB destacavam-se Carlos Sobral, Francisco Pereira, Alberto Rio e o seu irmão Joaquim Rio (este já grande promessa das camadas jovens do clube "encarnado").
Henrique Costa, por sua vez, assumiu também o papel de primeiro treinador do Clube, pondo um ponto final na sua carreira de jogador (salvo em jogos amigáveis). Apesar disso foi por pouco que não teve de alinhar no primeiro jogo oficial, quando faltava um jogador para fazer o 11... afinal foi um dos companheiros que acabou por chegar atrasado.
Quanto a Alberto Rio, vale a pena recordar o vatícinio dos dirigentes do Benfica aquando da sua tentativa de passar para o Sporting. Disseram eles na altura que Alberto Rio acabava ali e assim da pior forma uma carreira que poderia ter continuado em grande. Também aqui se enganaram. Alberto Rio prosseguiu com invulgar brilho a sua carreira, mas no seu Clube, no seu Belenenses... no qual viria a ser o seu primeiro jogador internacional (a 17 de Dezembro de 1922).

Os primeiros Belenenses: Joaquim Rio, Carlos Sobral, Francisco Pereira,
Aníbal dos Santos, Manuel Veloso, Mário Duarte, Arnaldo Cruz, Alberto Rio,
Edmundo Campos, Romualdo Bogalho e Artur José Pereira

Apesar de imediatas e sucessivas adversidades, aquele grupo de jogadores garantiu efectivamente que o Belenenses nascesse já com uma grande equipa, como um Grande Clube. Nos tempos seguintes tornariam familiares e temidas as camisolas azuis com a Cruz ao peito, até que novas e igualmente talentosas gerações tomaram o seu lugar. Seria salvo erro Joaquim Rio o último dos "pioneiros" a ceder o seu lugar na equipa principal (ainda realizou um jogo para o Campeonato de Lisboa de 1926/27), quando já outros grandes "monstros" não só do futebol mas da própria "mística" Belenenses se afirmavam. Como Eduardo Azevedo (pai daquele que é actualmente o sócio mais antigo do Clube, Humberto Azevedo), Mário Monteiro (que substituía Mário Duarte na baliza aquando das deslocações deste a Aveiro ou quando tinha que cumprir deveres académicos) Fernando António, Júlio Morais, Francisco Ferreira e Joaquim de Almeida, exemplos de jogadores que já nos primeiros tempos do Clube se afirmaram ao seu serviço, dentro e fora de campo. Com rigor e justiça também eles devem ser considerados "pioneiros".
No entanto e se quisermos traçar uma linha de "fronteira" entre a equipa e o tempo dos "pioneiros" e uma segunda etapa da História do Belenenses, essa coincidirá sem dúvida entre o último jogo oficial de Artur José Pereira (a 16 de Março de 1922) e o primeiro jogo oficial do seu discípulo dilecto na primeira equipa, Augusto Silva. Havia sido o próprio Artur José Pereira que com o seu "olho" aquilino (de verdadeiro Mestre, como viria a ficar conhecido) descobriu o digno sucessor nas fileiras do clube Império. Rapaz da Calçada da Ajuda, havia jogado antes pelo Ajuda, em 1917, ingressando então no Belenenses já em 1921. Augusto Silva seria o novo "comandante" em campo de uma equipa do Belenenses que se aninhou com brio e celebridade nos píncaros do futebol nacional.

Para sempre no coração de Belém: o antiquíssimo edifício (quinhentista)
que albergou a primeira sede e a placa alusiva que lá se encontra hoje em dia

Já em 23 de Setembro de 1944, por ocasião do primeiro grande marco da longevidade do Belenenses - as "Bodas de Prata", 25 anos - foi descerrada com pompa na sede do Clube a fotografia da 1ª equipa, tendo o Belenenses juntado para a ocasião alguns dos primeiros jogadores (ver fotografia): Francisco Pereira, Romualdo Bogalho, Alberto Rio, Joaquim Rio, Aníbal dos Santos, Manuel Veloso e, salvo erro, também Edmundo Campos e Arnaldo Cruz.

No descerrar da fotografia da 1ª equipa, 25 anos depois:
Aníbal dos Santos, Edmundo Campos (?), Francisco Pereira, Joaquim Rio,
Manuel Veloso, Alberto Rio e Romualdo Bogalho (?)

Artur José Pereira havia falecido um ano antes, o que talvez justifique o ar pesaroso e consternado dos jogadores na fotografia. A saudade seria também por Carlos Sobral, também já falecido (alguns anos antes - ainda nos anos 30, salvo erro) num trágico acidente em África.
Quanto ao outro único ausente, Mário Duarte, estava nessa altura em Berlim, como Cônsul de Portugal e "Encarregado da defesa dos interesses dos cidadãos brasileiros na Alemanha, Áustria e Polónia", em plena 2ª Guerra Mundial. Desta forma não pôde estar presente nas "Bodas de Prata" mas... como viria a recordar mais tarde, diante de uma platéia de Belenenses (na sua brilhante palestra por ocasião das "Bodas de Ouro", em 1969):
"Num momento de terrível emoção, após um grande bombardeamento sobre Berlim, na noite de 1 de Outubro de 1944, em que cerca de mil aviões deixaram cair toneladas de bombas de fósforos, provocando inúmeros incêndios, o deflagrar das bombas e o ruído dos canhões da defesa anti-aérea era de tal maneira que arrasavam os nervos de todo o ser humano. Quando tocou a 'sereia', avisando o fim do perigo, senti uma nostalgia enorme dos meus, de Portugal e dos bons amigos.
Debaixo ainda dessa emoção vieram entregar-me um telegrama, que conservei, pois guardo-o em recordação do conforto moral que nesse momento tão valioso me foi. Deixei Berlim em 1945, quando as tropas russas começaram a cercar aquela capital em ruínas. Das coisas que salvei (bem poucas foram) trouxe comigo este telegrama. Peço a fineza da vossa atenção para o telegrama que vou ler:
' Ao comemorarmos as bodas de prata do Clube que Vossa Excelência ajudou a fundar e não esquecendo valiosos serviços prestados, rogamos aceite com protestos de gratidão os nossos cumprimentos - Direcção Belenenses'.
No dia seguinte fui para o Consulado e mandei expedir este telegrama:
' Club Foot-Ball Belenenses. Belém. Lisboa. Recordo sempre com saudades tempo estudante intimamente ligado fundação Club Belenenses. Por isso me sensibilizou vosso telegrama sabendo que não sou esquecido daqueles que nunca esqueci. Desejo excelentíssima Direcção maiores felicidades agradecendo-lhes também tudo quanto fizeram pelo engrandecimento nosso querido Clube. Aos companheiros de há vinte e cinco anos um abraço ou uma saudade e a Vossas Excelências retribuo melhores cumprimentos. Mário Duarte.'
São passados 25 anos [em 1969] sobre a data deste telegrama. Se tivesse de voltar a redigir agora nova mensagem aos Belenenses, creio que me serviria do mesmo texto, pois continuam firmes os sentimentos de amizade pelo Clube, pelos dirigentes e pelos consócios, principalmente pelos antigos companheiros. Era só mudar 25 anos para 50 anos (...)"


Avançando novamente para 1950 retorno à entrevista a Henrique Costa que já acima citei. Naquele momento e na mente daquele que foi um dos principais fundadores percorriam já 30 anos de uma história riquíssima e invejável. Talvez mesmo para além do que ele próprio poderia ter imaginado. Ele que acompanhou e participou de alma e coração naquela "aventura", naquela "excentricidade" que muitos condenavam à efemeridade e ao fracasso. E tal como a um orgulhoso pai que recorda a imagem da sua criança ao vê-la crescida, bela e altiva, a emoção quase embargava as palavras finais de Henrique Costa naquela entrevista, lembrando também com imensa saudade alguém, um grande amigo, que entretanto já havia partido:

"O sonho do grande Mestre Artur José Pereira tornou-se realidade para glória de todos os Belenenses e do Desporto Português"

Em seguida publico uma lista com alguns dos primeiros sócios, com base na atribuição do galardão de "Sócios de Mérito" em 1927:

Henrique Costa - 1 (primeiro treinador, segundo "capitão-geral", Sócio Honorário nº 30, faleceu em 1953)
Artur José Pereira - 2 (jogador da 1ª equipa, Sócio Honorário nº 17, o grande fundador, faleceu em 1943)
Francisco Pereira - 3 (jogador da 1ª equipa, chegaria a completar 50 anos de sócio, tendo sido um dos homenageados nas "Bodas de Ouro")
Romualdo Bogalho - 4 (jogador da 1ª equipa)
Manuel Veloso - 5 (jogador da 1ª equipa)
Carlos Sobral - 6 (jogador da 1ª equipa, primeiro "capitão-geral")
Alberto Rio - 7 (jogador da 1ª equipa)
Mário Duarte - 8 (jogador da 1ª equipa)
Joaquim Rio - 9 (jogador da 1ª equipa, serviu muito e bem o Clube no caminho para as Salésias, Sócio Honorário nº 24)
Joaquim de Almeida - 41 (cedo integrou a primeira equipa de futebol, eclético atleta, grande obreiro das Salésias, também ele homenageado em 1969, Sócio Honorário nº 23, Medalha de "Bons Serviços e Valor Clubista")
Eduardo Azevedo - 79 (cedo integrou a primeira equipa de futebol, figura querida e emblemática de Belém e do Belenenses)
Arnaldo Cruz - 80 (jogador da 1ª equipa)
Francisco Ferreira - 88

A partir da lista dos que em 1944 completaram 25 anos de filiação (após pelo menos uma renumeração - por exemplo Alberto Rio passou a ser o sócio nº6, pelo falecimento de Carlos Sobral; o nº2 de Artur José Pereira, no entanto, ainda era seu, mesmo postumamente), encontramos também os seguintes "pioneiros":

Mário Monteiro - 9 (primeiro "substituto" de Mário Duarte)
Joaquim Dias - 10 (do grupo fundador, primeiro tesoureiro do Clube, cuja casa fez as vezes de 1ª sede)
Carlos José Sales - 11
Henrique Peters - 12
Artur Santareno - 13
António Maria de Oliveira - 14
Júlio Dias Duarte - 15
Artur Pereira - 16
Joaquim de Almeida - 17 (já referido na lista de acima, inicialmente era o sócio nº 41)
José Pinto - 18
Américo Neves - 19 (Presidente da Assembleia Geral em 1924-25)
Francisco dos Santos - 20
[sócio nº 21 - já falecido em 1944?]
Ramiro Monteiro - 22
Manuel Augusto Florêncio - 23 (outra figura "histórica" do nosso dirigismo, Sócio Honorário nº 15)
Vital Jorge de Sousa - 24
Ramisio dos Santos - 25
Francisco Belas - 26 ("histórico" já dos tempos do Sport Lisboa, onde jogou ao lado de Artur José Pereira e Alberto Rio)
Carlos Pereira - 27
Artur Queiroz - 28 (Sócio Honorário nº 18, Presidente da Assembleia Geral de 1925 a 1934)
Eduardo Azevedo - 29 (já referido na lista de acima, inicialmente era o sócio nº 79)
Arnaldo Cruz - 30 (já referido na lista de acima, inicialmente era o sócio nº 80)
João Pedro Gaspar - 31
Francisco Ferreira - 32 (já referido na lista de acima, inicialmente era o sócio nº 88)
Basílio dos Santos - 33

Nestas listas nota-se a ausência de certas figuras ímpares de que já falámos e que foram fundamentais para o nascimento do Clube: Luis Vieira, Reis Gonçalves e Virgílio Paula. Luis Vieira viria a ser o Presidente da Direcção entre 1922 e 1924. O Engº Reis Gonçalves viria a ser o Presidente da Direcção entre 1920 e 1922, Presidente da Assembleia Geral em 1934-48 e 1950-55, recebeu o mais alto galardão do Clube, a Cruz de Ouro. Virgílio Paula, para além de ter sido o primeiro Presidente da Assembleia Geral, para além de ser o médico do Clube por largos anos, recebeu a distinção de Sócio Honorário (nº 12) em 1937 (terá falecido por volta de 1950).

Aqui fica então esta recordação de todos os sobressaltos, lutas, sonhos e emoções de cuja amálgama um grupo de corajosos homens fez nascer o Belenenses.
E fica também uma palavra de alerta. Dos fundadores de 1919, já todos faleceram. A inexorável marcha do tempo e as caprichosas leis da vida e da morte vão-nos afastando homens cujos testemunhos de viva voz são autênticos tesouros do património do Belenenses. Se sobre 1919 já nos temos que limitar aos livros e jornais da época, urge acompanhar, reavivar e registar a memória de todos aqueles que presenciaram tantos outros momentos de glória do nosso Clube que se sucederam. Não os esqueçamos, até porque também eles merecem também a nossa homenagem. Porque ao longo de décadas e décadas transportaram a chama viva do grande sonho.

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